O Sabor das Prosas de Jorge Amado

Se o assunto é o feliz casamento entre a gastronomia e a literatura, Jorge Amado é um prato cheio.

Por Ingrid Dragone
(Matéria divulgada na 3ª edição de 2008 da revista Bahia Chef)

Jorge Amado sabia que uma trama envolvente exige mais que cenários e personagens intrigantes. Suas narrativas nascem de acontecimentos históricos e possuem uma linguagem pitoresca, que evidencia e valoriza a cultura regional, o que a Bahia tem de mais autêntico. E quando se fala de um povo, de uma gente, a culinária é ingrediente fundamental, é o que tempera a obra e possibilita ao leitor a proximidade e o sentimento de auto-reconhecimento. Por isso, seus livros são recheados de aromas e sabores, trazendo a comida que não somente satisfaz uma necessidade vital, mas que se define como a extensão do bem viver.

A culinária não é uma mera coadjuvante na literatura de Jorge Amado. Ela alimenta cenas, ambientes, conflitos e o perfil dos personagens. Tem função estética, construtora e estabelece jogos de sentidos. Gabriela, Cravo e Canela. Tocaia Grande. Os Pastores da Noite. Mar Morto. A Tenda dos Milagres. Dona Flor e Seus Dois Maridos. Quem leu já teve a experiência de uma viagem pela gastronomia. Feijoada, bolinhos de carne fritos, moqueca, frigideira de bacalhau, quindim... Tudo é pretexto para falar das realidades e dos sonhos que preenchem as páginas de cada título.

Jorge Amado sempre tratou a culinária como arte, uma rica e sincera expressão da cultura miscigenada, com valores europeus e africanos. Mas os nomes e as combinações dos pratos, as misturas e as formas de cozinhar não refletem apenas essa herança - os costumes e preferências resultantes da hibridização brasileira -, como também revelam circunstâncias e intenções.

Para o escritor, o sexo e a comida, por exemplo, têm uma ligação íntima. Os atos de servir e ser servido sugerem o querer bem. Essa relação entre os prazeres gastronômicos e os prazeres da carne é bem representada no livro Gabriela, Cravo e Canela (que este ano completa seu cinqüentenário, e em junho será relançado pela editora Companhia das Letras, chegando à 80ª edição no Brasil). Nele, o sentimento amoroso facilmente mistura-se ao desejo por uma boa mesa. Nacib ama Gabriela, sua “mulher-cozinheira”. E Gabriela expressa o seu amor ao cozinhar para Nacib.

Atenta a essa forma de desenvolvimento dos romances, Paloma Amado debruçou-se sobre a vasta obra do pai, durante seis anos, para coletar tudo o que sacia os personagens criados por ele. A pesquisa resultou no livro A Comida Baiana de Jorge Amado. A compilação de receitas mostra a culinária como um elemento que reforça códigos sociais, traços psicológicos e o comportamento das pessoas inseridas nas narrativas.

A prosa de Jorge Amado transforma alimento em significado. A preparação das iguarias, o saborear, e os rituais de escolha dos condimentos são usados para falar da paixão, da relação humana, do gosto popular, dos contrates, das dificuldades e até da fome. A prosa de Jorge Amado ajuda a eternizar as peculiaridades da cultura baiana e confere um sabor todo especial à produção literária brasileira.

Comentários

Ricardo Cazarino disse…
Olá Ingrig,
Poxa vida! Foi um prazer cair nesse seu cantinho virtual. Belas e saboras palavras sobre Jorge Amado. Adorei essa forma inovadora e inédita (para mim) para falar de Amado...o dedilhar de tuas letras sooam cultura e uma leveza especial...
Até mais,
Ricardo.
INGRID DRAGONE disse…
Obrigada, Ricardo! Apareça mais vezes por aqui!

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