O dionisíaco e o apolíneo no processo de construção da poesia




Nenhum poeta deve se autodenominar dionisíaco ou apolíneo. O processo criador acopla as duas porções: o irracional e o racional; o possesso e o artífice; o devir-louco e a perfeição. Cada poeta pode, sim, ser mais inclinado para uma dessas metades, mas estar completamente ou somente inserido em um dos extremos é impossível.


O poeta que se considera dionisíaco, defende incontestavelmente a existência da inspiração como um poder externo, uma força surgida de um momento de êxtase, que o obriga a escrever de maneira inevitável. Entende-se, assim, que o texto chega pronto e o poeta apenas exerce a função de passá-lo para o papel, como se fosse um mero instrumento de um poder revelador.


Este mito do poeta possesso, possuidor de um dom divino, considerado um ser especial, um ser de aura, vem se extinguindo. Sabe-se que o ato de escrever não abarca somente um “trabalho quase mediúnico”, fruto do subconsciente, talvez. Há ainda a parte mais objetiva – as pilastras da poesia –, o momento em que o autor escolhe as palavras ideais, corta o que é sobra, estuda as rimas, a forma...


Aceita-se a existência de um impulso lançando o contorno, o esboço, uma idéia de poesia, e também o fato de que determinados lugares e horas causam mais inspiração para aquele que escreve. Contudo, não se pode deixar de reconhecer o trabalho “braçal” da criação, no qual o acabamento é buscado. Este último passo é a porção apolínea, a qual faz do poeta um arquiteto das palavras, um escultor dedicado, um ourives, preocupado com os detalhes e a métrica, com a parte mais concreta da obra: a estética.


O talento para escrever deve ser conseqüência de uma sensibilidade. Quem escreve poesias tem a capacidade de captar o mundo e sabe depois, através da sua inteligência, transformá-lo em imagens e combinações de palavras exatas, insubstituíveis.


Freud explica que o talento para escrever é conseqüência de um trauma, relacionando a arte com a loucura. Será que o poeta não é o mais lúcido dos seres? Já Fernando Pessoa diz que “o poeta é um fingidor”, podendo assumir outras personalidades e expressar sentimentos que na verdade não sente. Será que não sente?




Por Ingrid Dragone

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