Minha Olivetti

Era um dia de colocar as coisas em seus lugares. Rasguei papéis imprestáveis. Dei coisas inúteis. E engoli muita poeira. Fiquei ainda com alguns livrinhos infantis. Até que me deparei com a máquina de datilografia.

Ela foi um presente de Natal. Pedi quando tinha oito anos. Naquele ano descobri que Papai Noel não existia. Eu vi minha mãe embrulhando a máquina!

Hoje eu sei. Aquela máquina era um indício da minha escolha profissional. Sim, porque naquela época eu já escrevia uns poemas, umas linhas entusiasmadas... E acabei mesmo fazendo as faculdades de letras e de jornalismo...

E aquela máquina... Olhei para ela e tomei a decisão. Seria vendida. Afinal, por que guardar tralhas em casa?

No dia seguinte já havia arranjado um comprador. Ele ainda não podia ter um computador e levaria a Olivetti para que suas meninas pudessem brincar. Pronto. Tudo certo. Venderia por uma bagatela, mas venderia, e era isso o que importava.

Cheguei em casa. Fui logo ao encontro da máquina. Na tentativa de limpá-la, passei álcool. Algumas partes ficaram desbotadas, o que me provocou chateação. Muita chateação. Fora esse acidente, bem que ficou ajeitadinha.

À noite comentei com meu pai que venderia a máquina. E com um jeito, assim, assim, ele falou umas coisas... Que a máquina marcou a minha infância... No futuro valeria muito mais, seria uma relíquia... Eu poderia mostrar aos meus filhos...

Aquilo ficou na minha cabeça. Por que não vender? Máquinas de datilografia ainda não são raridades no mundo... E por que vender? Ela não me incomodava e eu ganharia um dinheiro-pouco que acabaria em quatro ou cinco lanches. Refleti... Ponderei... Não quis mais vendê-la.

Ela estava no chão. Quieta, meio desbotada, mas limpinha, e simpática como sempre. Olhei para ela e senti um carinho imenso. Eu nunca tinha, realmente, decidido vendê-la...


Ingrid Dragone

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