Estórias sobre o mundo
Nesse ofício de tecer, Oito gastava a vida. Existência que se media pelo pêndulo e pelos sacos de moedas que completava com muita eficiência. Contentava-se
Os livros falavam de coisas tão belas... Destes ganhava, mensalmente, páginas contadas. Seu mestre de ofício dizia que este era o seu prêmio por trabalhar de forma tão dedicada. Era assim que Oito via o mundo. Através das lentes das metáforas e desenhos toscos, grafados em folhas já amareladas. E tudo se fazia vivo em imaginação.
O sonho começou a crescer no peito, em tamanhos e profundidades que pesavam e alargavam o pulso. A curiosidade era espinho em todo o corpo e alma. Oito era teimoso. Aos poucos foi cavando um pequeno orifício num canto da parede do seu quarto. Com o passar de alguns relógios, mais e mais podia ver o mundo, até então reservado ao papel.
E um dia, com sua janelinha cavada, já de bom tamanho, avistou a Menina dos Olhos. Como era linda em sua simplicidade, e meiga e graciosa. Tinha a pele macia de pétala. Sim, assim sabia que era. O olhar era adocicado, transbordava uma coisa qualquer de paz. As mãos eram leves, e regavam com esmero delicadas flores brancas, que por tanto zelo, pareciam ser suas filhas.
Oito não mais pensava em outra coisa. Passou a tecer moedas com um desgosto de abismos. Por instantes, parecia nunca ter se dedicado a esse trabalho. Passou a tecer de forma errada, com linhas erradas. Não conseguia contentar-se com aquele destino, que há pouco parecia ter sido traçado para ele com tão forte grafite.
Pensou... Para ele restariam calos nas mãos. Cansaços e angústias na alma. Uma caminha de madeira rústica. Uns dois pares de sapatos e calças. Uma caneca matinal... Vivia de mentiras, que aquilo não era viver!
Encontraria a Menina dos Olhos. Atravessaria três horizontes e tantos oceanos se fosse preciso. Não mais estaria sem janelas. Saberia tantas cores e sabores a vida lhe sorrisse. Faria poemas e cantaria canções esquecidas. Passearia para nada e tudo num fim de tarde. Queria amar. E teria filhos! Queria ser o próprio coração.
Então, redigiu boa carta de despedida e a entregou ao Rei. Este fez ameaças. Disse em voz segura que, depois de atravessada a ponte do prédio de pedras, poderia estar a corroer-se de fome e a quebrar-se de frio, e lá não encontraria abrigo novamente.
Oito saiu cheio de certezas. De início, mudou o próprio nome, que não era assim tão próprio. Todos os seus colegas eram também números, e ele, a partir de agora, queria ser pessoa. Escolheu ser Valente.
Após atravessar a ponte, colocou-se todo em postura de desbravador. Derramou os olhos sobre o mundo. Começava a despir-se da prisão. Avistou a Menina dos Olhos. Poderia nunca alcançá-la, mas precisava dar-se uma chance. Ter coragem. A vida estava toda. Estava repleta de poemas e janelas. Era agora aprender a vê-la, que nessa arte ainda era criança. E iniciar o coração nas andanças afora. Chegando. O lugar não sabia exatamente, mas partiria do cais do próprio querer.
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