Estórias sobre o mundo

Sempre esteve lá. Recebera o nome de Oito. Dia após outro, tecia moedas para o Rei. Vivia em um prédio de pedras. Não havia janelas. De lá não se via o sol ou as cores de abril.Lá não se podia cantar ou fazer poesia. Era proibido amar. Decretada a regra: Quem de amor se preenche, para o trabalho perde as forças.

Nesse ofício de tecer, Oito gastava a vida. Existência que se media pelo pêndulo e pelos sacos de moedas que completava com muita eficiência. Contentava-se em sonhar. De extensas datas, ouvia estórias sobre o mundo. Cores conhecia poucas. Sabia uma borboleta ou um pássaro por descrições ou por uma dimensão estampada num papel.

Os livros falavam de coisas tão belas... Destes ganhava, mensalmente, páginas contadas. Seu mestre de ofício dizia que este era o seu prêmio por trabalhar de forma tão dedicada. Era assim que Oito via o mundo. Através das lentes das metáforas e desenhos toscos, grafados em folhas já amareladas. E tudo se fazia vivo em imaginação.

O sonho começou a crescer no peito, em tamanhos e profundidades que pesavam e alargavam o pulso. A curiosidade era espinho em todo o corpo e alma. Oito era teimoso. Aos poucos foi cavando um pequeno orifício num canto da parede do seu quarto. Com o passar de alguns relógios, mais e mais podia ver o mundo, até então reservado ao papel.

E um dia, com sua janelinha cavada, já de bom tamanho, avistou a Menina dos Olhos. Como era linda em sua simplicidade, e meiga e graciosa. Tinha a pele macia de pétala. Sim, assim sabia que era. O olhar era adocicado, transbordava uma coisa qualquer de paz. As mãos eram leves, e regavam com esmero delicadas flores brancas, que por tanto zelo, pareciam ser suas filhas.

Oito não mais pensava em outra coisa. Passou a tecer moedas com um desgosto de abismos. Por instantes, parecia nunca ter se dedicado a esse trabalho. Passou a tecer de forma errada, com linhas erradas. Não conseguia contentar-se com aquele destino, que há pouco parecia ter sido traçado para ele com tão forte grafite.

Pensou... Para ele restariam calos nas mãos. Cansaços e angústias na alma. Uma caminha de madeira rústica. Uns dois pares de sapatos e calças. Uma caneca matinal... Vivia de mentiras, que aquilo não era viver!

Encontraria a Menina dos Olhos. Atravessaria três horizontes e tantos oceanos se fosse preciso. Não mais estaria sem janelas. Saberia tantas cores e sabores a vida lhe sorrisse. Faria poemas e cantaria canções esquecidas. Passearia para nada e tudo num fim de tarde. Queria amar. E teria filhos! Queria ser o próprio coração.

Então, redigiu boa carta de despedida e a entregou ao Rei. Este fez ameaças. Disse em voz segura que, depois de atravessada a ponte do prédio de pedras, poderia estar a corroer-se de fome e a quebrar-se de frio, e lá não encontraria abrigo novamente.

Oito saiu cheio de certezas. De início, mudou o próprio nome, que não era assim tão próprio. Todos os seus colegas eram também números, e ele, a partir de agora, queria ser pessoa. Escolheu ser Valente.

Após atravessar a ponte, colocou-se todo em postura de desbravador. Derramou os olhos sobre o mundo. Começava a despir-se da prisão. Avistou a Menina dos Olhos. Poderia nunca alcançá-la, mas precisava dar-se uma chance. Ter coragem. A vida estava toda. Estava repleta de poemas e janelas. Era agora aprender a vê-la, que nessa arte ainda era criança. E iniciar o coração nas andanças afora. Chegando. O lugar não sabia exatamente, mas partiria do cais do próprio querer.

Ingrid Dragone


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