Tormentos Íntimos
Seu método de ajuda mesclava tarô, búzios, bola de cristal e uma conversa baseada em signos e leituras orientais - para vocabulário e fundamentos fáceis e críveis. Convencia bem, talvez porque fosse mulher de grande intuição. E para tamanha fama, preço alto.
A aparência impressionava. Roupas com muitos tecidos. Unhas incrivelmente bem feitas. O olhar transmitia confiança e verdade. A experiência de vida que carregava a fazia assim: exata. Os clientes estavam satisfeitos, confirmavam as feições de uma poderosa feiticeira, e a mais e mais amigos indicam os seus serviços, a solução na vida de tantos... Era procurada em momentos de desespero, incabíveis na razão.
A consulta era envolvente. A atmosfera de mistério evocava sabedoria. Os adornos pareciam relíquias. Incenso para perfumar o ambiente. A expressão de sua face sugestionava. Ela tocava nas questões mais íntimas das pessoas com a frieza mecânica de um cirurgião. Antes de uma exploradora de almas doentes, Miriam era uma atriz nata.
Os conselhos destinavam-se a problemas emocionais de qualquer natureza. Relação entre pais e filhos, dificuldades conjugais, até as maneiras para a conquista de um novo amor. De certo, Miriam lapidou-se. Tantas histórias fizeram-na vestir o ser humano repleto de sensibilidade para lidar com os conflitos alheios. Alheios...
Certo dia, indo para casa, depois de uma sessão que a deixara “carregada”, ficou pensando em sua vida. Tormentos íntimos. Pensamentos bastante prolongados em sua pessoa. Abriu a porta. Catou as correspondências. Enfiou na bolsa, que mal guardava o dinheiro de uma cliente importante. Olhou-se no espelho da sala. Sem ninguém para conversar, sentou-se à mesa e resolveu desabafar no papel.
Deus,
Conselheira sentimental? Eu? Que piada imoral! Minha mãe, aquela senhora inofensiva, que tudo fez por mim, deportei para um asilo nojento. Minha irmã estava grávida e desempregada e não a quis em minha casa. Com meu pai não falo há anos. A filha que tive... num orfanato. Abortei. Sei eu lá quantas vezes. Com meus homens não suportei viver. E o último? Deus, por esse pecado imperdoável me perdoe! O miserável fede embaixo das terras do meu quintal...
Uma exaustão intensa caminhou por todo o seu corpo. Sentiu um peso sobre a cabeça. E quando a testa ensaiava o movimento de encontro ao tampo da mesa, e o lápis iniciou o repouso sobre o caderno, o telefone chamou. Ela correu para atender. Havia distribuído panfletos naquela semana e não queria perder dinheiro.
- Bom dia. Gostaria de falar com Miriam, a conselheira sentimental.
- Bom dia! Sou eu. Em que devo curá-la, querida?
As extremas humanidade e serenidade quase puderam tocar a pele da nova e esperançosa cliente.
Ingrid Dragone
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bjsss